25.6.14

DISFARCE

Se te escrevesse uma carta

seria cheia de letras miúdas
para explicar, no fim da página,
cada detalhe do que virá,
do que sonho, entre o cobrir e o descobrir da madrugada,
quando o revesamento do frio-calor
é alimentado pelo desejo e pelo ventilador
na velocidade mínima de expor o vento.

Um bando de coisinhas ditas
numa cata disfarçada de poema,
de trevo de quatro folhas,
de um imenso sexteto a tocar jazz
ou algo mais soul para te beijar
entre meus braços,
entre uma corrida e outra,
entre o trabalho e o limpar as bobagens do cachorro
bem ali no canto da sala.

Na verdade seria um rock tocando na cabeça
no meio da carta
com olhos de verão e coragem.
Esse poema sem disfarce ou revisão (ou lido uma segunda vez)
com letras miúdas no fim da página
que termina com beijo e desejo de bom dia.

2.6.11



AMOR — O que é o amor? Um grande coração que dói
E nervosas mãos; e silêncio; e longo desespero.
Vida — o que é a vida? Um pântano deserto
Onde chega o amor e de onde parte o amor.



Robert L. Stevenson
Poemas

4.4.08

Chiado



Se eu alguma vez te magoar, vai ser em legítima defesa.
Quando maior o orgulho maior a queda, não diga que não avisei.
Você era a besta e eu o seu jantar.
Você era a rainha e eu vivia prostrado a seu serviço.
O que você vai fazer quando o vinho acabar, dar murros na mesa ?
Porque eu não sou esse tipo de imbecil, mas eu fui o seu imbecil.
E veja que surpresa, estou queimando por dentro.

Existem serpentes soltas na noite e mulheres cujas vontades não fazem sentido.
Quando as satisfazemos, mergulhamos na maldição por dias e dias e noites.
Se você alguma vez vier até mim, eu vou te magoar.
Se você me aparecer na frente, eu juro, sua serpente.
Você sabe que te desejo sempre o melhor, sua serpente.
Por todo o tempo que perdi contigo, sua serpente.
Agora guardo o meu coração bem escondido, sua serpente.
O resto você pode ter quando quiser,
sua serpente.

15.2.08

DUAS EM TRÊS

Duas em três. Eram as chances. Daria na mesma se fosse uma em duas? Correu para o ponto de ônibus, mesmo sabendo que não existia nenhum motivo para correr: era um jogo simples e os dois participantes sabiam bem o provável resultado.

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Saiu sem pressa da loja de sapatos. Trabalhava lá fazia poucos meses, mas arranjou uma desculpa qualquer para sair mais cedo. Sempre foi assim. Cativante. Queria chegar bem.

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Primeiro ponto depois do Aterro, o menor e mais escuro. Impossível não achar graça quando da primeira vez que batemos os olhos em algo após sua perfeita descrição. Acrescentaria um adjetivo: limpo. Menor, escuro e limpo, uma ode avessa no meio das pinturas, grafites e luzes viciadas. Sentou-se então. E esperou.

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Incrível como as coisas parecem mais absurdas de perto. E ele era mesmo um abuso no quesito esperança. Na verdade na falta de produção dela. Ele nunca esperou na vida. Por isso era tudo tão estranho.

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Quando era menina, encontrou um retrato em preto e branco da mãe, sentada em um banquinho de tijolos, segurando uma improvável boneca. Mas não sabia que era a mãe, pensou em si mesma. Agora, tinha certeza absoluta que fazia o vinco na bochecha, aquele mesmo vinco de sua mãe, entre o aborrecimento e a espera. Aliás, quem garante mesmo que era a mãe no retrato?

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Uma menina na calçada o fez lembrar dela. Quase tudo ultimamente fazia. Pensou em suas mãos.Pensou em estrelas. Ela o fazia suspirar. Suspirava. – Tudo bem? A menina não respondeu. Essa era a vantagem, ela responderia sem pestanejar. Assim pensou e seguiu.

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Água tônica com bastante gelo e limão. Olhou pela janela de vidro e percebeu que as terças o mundo é bem lento e vazio. Num gole foi o primeiro copo. Encheu o segundo, e lá ficou o gelo a diluir o açúcar da bebida.

Depois do episódio do retrato, esperava os pais sairem para revirar o quarto em busca de outros tesouros. Um dia, na mais alta gaveta, deu-se o encontro com a chave. Bom, o que ela abria, nunca soube, mas a chave continua dentro de uma gaveta, placidamente aguardando seu destino.

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Crianças! Queria quatro. Dois casais. Percebeu que andava mais rápido. Entendeu o motivo. Diminuiu. "Ela vai ficar linda com carinha de brava". Uma mentirinha qualquer sobre o chefe, os colegas novos, ela entenderia e desculparia.

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Mais uma água. Dessa vez, com gás, apenas. Na janela, finalmente!, ele virava a esquina sem pressa alguma. Parou antes de atravessar a rua. Olhou no relógio. Ela, um pequeno sorriso.

Na mesa vazia, o copo transborda de gelo derretido, palitinhos de dente quebrados, pequenos desenhos em forma de estrela, coração e cubo escurecem um canto da toalha de papel.

Recolhendo o dinheiro o Garçom confirma, entediado: - É moço, essa aí que você procura acabou de sair daqui.

24.1.07

Passei tanto, tanto tempo me espreguiçando na areia.

Um som ferroviário parte de algum lugar
entre as ondas do mar azul.
o grande metrô oceânico
e o rugido ainda mais profundo
da grande confusão do Universo.
Um arrastar e gemer
como se alguma grande criatura se movesse entre o céu e a terra.
Um bilhão de pequenas vozes murmurando
angústias ancestrais.
Gemidos subaquáticos nos alto-falantes do mar.
A voz do planeta fazendo o chão estremecer
nos ecos intermináveis
de todas as formas de vida perdidas na noite
e suas memórias
desenrolando-se como uma fita cassette
através dos sintetizadores do tempo.
O Caos revelado
de volta a suas harmonias
primordiais
à primeira luz
do início de tudo.


E como se nada fosse
no rastro da sombra que
o bendito, infinito, sei lá o que
corpo deixa
soma-se dor e saudades.
Seria bem mais fácil se
o seu grito fosse ouvido
por toda parte,
melhor,
se fosse entendido, notado.
Faça-se luz!

E fez-se.
Para os olhos negros
de quem não quer mais ver,
fez-se.

Caos!

7.8.06

Menina dos dedos de nuvem



Os djs estão invadindo
A simpli(s)cidade
Enquanto toda essa gente se debate
Eu prefiro isso aqui
Os videogames distraem as pessoas e agora
É preciso coragem
Olho meu rosto no espelho
E depois vou dormir

Entre as árvores sussurrantes
na montanha.
Por debaixo do que der
Do que vier
Escondido das notícias
Entre as feras
Nos velhos discos de vinil
fora do tempo.

A internet aplaudiu o poema
E eu escrevi mais um.
Fique de olho na vida
O sinal vai abrir
O internet elogia
Mas cuidado com a porta da frente
Ah, menina dos dedos de nuvem,
não espere por mim.

Que eu estou no paradeiro
Dessa gente
Quem morreu, quem teve medo
Quem ficou?
Eu estou no vale dos lagos ou na pedreira
E onde quer que eu esteja
Eu não estou


Transpirado de Sérgio Sampaio.

21.6.06

Ele: sujeito calmo, falante, touro, lua em sagitário, fotógrafo.
Ela: serelepe, ansiosa, gêmeos, regente capricórnio, publicitária.

Ele: olhar descalço sob as nuvens, romântico.
Ela: pés no chão, consciência em primeiro plano da palavra.

Ele: a amava.
Ela: parecia que também.

Ele: queria entregar-lhe o sol.
Ela: queria fincar a cabeça na terra.

Ele: a amava.
Ela: queria sentir o mesmo.

Ele: a amava.
Ela: fugia.

Ele: a amava.
Ela: se foi.

Ele: também.